Exame Insight , 09 de setembro de 2024
Em 2024, um novo vento a favor do crédito privado

Fim da tributação de fundos exclusivos deve trazer demanda adicional para títulos incentivados - enquanto oferta permanece em alta

Dezembro de 2023 encerrou um ano intenso para o mercado de crédito privado, e 2024 tem confirmado as expectativas otimistas. Após um primeiro semestre de 2023 marcado pela incerteza política e os impactos das crises de empresas como Light e Americanas, o mercado viu uma explosão de emissões na segunda metade do ano passado. Esse aumento de emissões, especialmente de papéis incentivados, refletiu uma demanda recorde que tem se mantido em alta ao longo deste ano.

Com a queda contínua das taxas de juros, novas emissões continuam a ser estimuladas, em um cenário onde empresas ainda enfrentam balanços apertados e buscam rolar dívidas. Ao mesmo tempo, a Selic ainda elevada tem atraído investidores de varejo em busca de alternativas seguras e rentáveis. Outro fator importante que está contribuindo para a demanda por crédito privado em 2024 é o fim da tributação dos fundos exclusivos, que trouxe um novo impulso para o mercado.

Gestores entrevistados pelo Exame IN afirmam que boa parte dos recursos que estavam em fundos exclusivos migrou para títulos de dívida de infraestrutura – isentos de IR – e para planos de previdência, que não sofrem come-cotas e têm uma alíquota regressiva.

“Temos visto muitos investidores desmontando seus fundos exclusivos e direcionando seus recursos para carteiras administradas com isenção de IR. Isso se tornou uma das grandes alavancas de crescimento para o crédito privado em 2024”, afirmou Odilon Costa, head de renda fixa da Solutions Wealth Management.

Embora o patrimônio dos fundos exclusivos seja estimado em R$ 110 bilhões, esse fluxo não foi imediato. Desmontar as carteiras e realocar esses recursos tem sido um processo gradual, com prazos de carência sendo respeitados, estendendo essa movimentação ao longo de todo o ano.

Marcos Papaterra, sócio da TAG Investimentos, ressaltou que fundos de menor porte, com patrimônio entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões, foram os mais afetados pela nova tributação. Além disso, apesar da queda nas taxas de juros, a Selic ainda permanece em patamares elevados, com juros médios projetados ao redor de 10% em 2024, o que continua a alimentar a demanda por ativos de crédito por parte de investidores de varejo.

Recuperação e Intensificação das Emissões

A segunda metade de 2023 já havia sido marcada por uma forte recuperação, com uma grande quantidade de emissões chegando ao mercado. Em meio a essa concentração de ofertas, os bancos aumentaram suas atividades, comprando papéis em maior volume do que no ano anterior. A concorrência por novos mandatos acirrou-se, e os bancos de investimento tornaram-se mais agressivos na oferta de garantias de alocação a taxas de juros mais atraentes.

Esse movimento foi particularmente perceptível em títulos incentivados, onde, em muitos casos, os preços de emissão no mercado primário ficaram abaixo dos preços negociados no mercado secundário para papéis com vencimentos semelhantes. Isso se intensificou no final de 2023 e persistiu nos primeiros meses de 2024.

“Quando há essa inversão de curva, os investidores institucionais acabam comprando no mercado secundário, ficando de fora das ofertas primárias. O volume é, geralmente, alocado entre wealth management e investidores de varejo”, explicou o sócio de uma gestora tradicional de crédito.

Exemplos dessa distorção foram observados em ofertas como a da Equatorial Goiás, que captou R$ 3,2 bilhões em dezembro de 2023. A emissão saiu a IPCA+74 pontos-base, enquanto, no secundário, o título foi negociado a IPCA+87 bps. Casos semelhantes ocorreram com a Isa CTEEP, MRS Logística e Oncoclínicas, todas captando volumes substanciais a taxas abaixo das negociadas posteriormente no mercado secundário.

Perspectivas Mantêm-se Positivas em 2024

Ao longo de 2024, a expectativa positiva para o Brasil tem se mantido firme. O cenário econômico global também contribuiu para esse otimismo, com uma recuperação gradual e previsões de soft landing nos Estados Unidos, além de uma inflação controlada e uma valorização do real. Essas condições têm atraído investidores tanto internos quanto externos.

Caio de Luca, chefe de mercado de capitais de dívida do Bank of America, afirmou que a América Latina, e o Brasil em particular, têm experimentado um crescimento considerável no volume de emissões. O banco estimou um aumento de 20% no volume de emissões na região em comparação com 2023.

Outro fator relevante que impulsiona o mercado em 2024 é o Projeto de Lei 2646/2020, que foi sancionado no final do ano passado. O projeto criou uma nova categoria de debêntures de infraestrutura, com benefícios fiscais tanto para empresas quanto para investidores institucionais, ampliando ainda mais as possibilidades de captação de recursos no mercado de crédito privado.

Segundo Ulisses Nehmi, CEO da Sparta, os investidores institucionais agora contam com uma nova opção de debêntures de infraestrutura com prazos mais longos e sem aumento significativo de custos. A Sparta, que atualmente administra R$ 9 bilhões, dobrou sua carteira de debêntures incentivadas, que agora representam 20% do AUM (Ativos sob Gestão).

Oferta Aquecida e Desafios para o Setor de Energia

Do lado das empresas, o mercado de crédito privado continua aquecido. O volume de debêntures com vencimento e amortizações previsto para 2024 é de R$ 133 bilhões, um número alto para o setor. Esse volume deve crescer ainda mais em 2025, alcançando R$ 169 bilhões. Diante desse cenário, as empresas têm buscado alternativas de renegociação de dívidas, com os títulos incentivados se consolidando como a principal estrela do mercado de crédito privado.

De acordo com dados da Anbima compilados pelo BTG Pactual, entre os 20 maiores vencimentos e amortizações de 2024, 11 estão diretamente ligados a setores de infraestrutura, como energia e saneamento. O destaque fica para vencimentos como o da Eletrobras, no valor de R$ 2,3 bilhões, e da Petrobras, no valor de R$ 1,5 bilhão.

No acumulado dos 11 primeiros meses de 2023, o volume de emissões de debêntures incentivadas já havia sido o maior dos últimos cinco anos, com R$ 59 bilhões em emissões, em comparação aos R$ 36 bilhões do ano anterior. A participação das debêntures incentivadas dobrou no total de emissões, representando 18% do volume emitido no mercado de crédito.

Mesmo em meio a esse cenário dinâmico, o IDA IPCA Infra, indicador de referência para o setor, manteve-se estável desde agosto de 2023, com 110 pontos-base acima da NTN-B, demonstrando a consistência e a recorrência da rentabilidade dos títulos.

Porém, como destacou um gestor, o setor de energia pode enfrentar desafios, já que os retornos marginais em leilões podem não ser atrativos o suficiente para acionistas. A expectativa é que empresas e bancos de investimento diversifiquem suas captações entre debêntures incentivadas e financiamentos junto aos bancos públicos.

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